segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Ilhas e extinções

A riqueza e a complexidade da vida na Terra devem ser mais conhecidas pelo grande público, principalmente nesta era de extinções. Uma boa fonte de informações sobre o assunto é O canto do dodô, livro de divulgação científica escrito por David Quammen (São Paulo, Companhia das Letras, 2008), que trata da biogeografia de ilhas. O autor define: "Biogeografia é o estudo dos fatos e padrões de distribuição das espécies. É a ciência que se ocupa de onde os animais e plantas estão e onde não estão" (p.17). Quammen escreve sobre as teorias da biogeografia de ilhas, os cientistas que as criaram, as espécies extintas ou ameaçadas e as visitas dele a ilhas em que foram feitos tais estudos.
O autor afirma que as ilhas, por sua área limitada e seu isolamento inerente, realçam os padrões da evolução das espécies. Nas ilhas, as espécies podem mudar de tamanho (umas tendem ao gigantismo, outras ao nanismo) e perder a capacidade de dispersão ou as adaptações defensivas. As ilhas rodeadas por água são apenas um caso de insularidade. Robert MacArthur e Edward Wilson, na influente obra The theory of island biogeography, fizeram esta observação: "A insularidade é uma característica universal da biogeografia. Muitos dos princípios em exposição vívida nas ilhas Galápagos e em outros arquipélagos remotos se aplicam, em maior ou menor grau, a todos os habitats naturais".
Ilhas continentais são aquelas que estão próximas ao continente, que podem estar ligadas a ele quando baixa o nível do mar. Já as ilhas oceânicas, mais remotas, nunca estiveram ligadas ao continente: emergiram à superfície por algum processo geológico. São exemplos das primeiras as ilhas de Bali e Madagascar; das segundas, Galápagos, Havaí e Maurício, ilhas vulcânicas. Uma ilha continental já possui uma comunidade de espécies terrestres no momento de seu isolamento. Uma ilha oceânica inicia sua existência destituída de formas terrestres de vida.
Madagascar separou-se da África há milhões de anos. Lá evoluíram muitas espécies endêmicas, como a ave-elefante (Aepyornis maximus), de três metros de altura e quinhentos quilos de peso, já extinta. Os lêmures só existem em Madagascar, alguns dos quais estão ameaçados de extinção. É um lugar caracterizado por uma impressionante variedade de espécies, resultado de um longo período de evolução, em que ficaram isoladas do continente, sem a competição de espécies invasoras e sem a presença do ser humano, responsável por muitas extinções em tempos recentes.
Outras ilhas sobre as quais David Quammen escreve são: Krakatau, onde o ecossistema foi destruído por gigantescas erupções vulcânicas em 1883, e depois renovado dentro do espaço de tempo da memória científica; Komodo, local em que vive o Varanus komodoensis, espécie agigantada de lagarto-monitor; Tasmânia, onde o tilacino (
Thylacinus cynocephalus) foi caçado até ser extinto; Havaí, principal polo de extinções de aves desde que as conquistas europeias começaram; Guam, onde uma espécie invasora, a cobra arborícola marrom, eliminou aves nativas; Galápagos, importantes nos estudos de Charles Darwin sobre a evolução das espécies. O autor também trata da Mata Atlântica, que já cobriu cerca de 1,3 milhão de quilômetros quadrados de montanhas e vales de rios ao longo da costa brasileira, abrigou grande riqueza biológica (cerca de 7% de todas as espécies de plantas e animais do mundo) e da qual restou menos de 5% do ecossistema original.
Alfred Russel Wallace, um dos pioneiros da biologia evolutiva e da biogeografia de ilhas, é bastante comentado no livro de Quammen. Um dos formuladores da teoria da evolução das espécies, Wallace afirmou: "Toda espécie surge coincidindo no espaço e no tempo com uma espécie preexistente à qual está proximamente aparentada". Wallace aventurou-se na Amazônia e no Arquipélago Malaio, onde fez pesquisas importantes. Relatou suas viagens nos livros A narrative of travels on the Amazon and Rio Negro e The Malay Archipelago. Este último estimulou David Attenborough a conhecer as aves-do-paraíso, mostradas no primeiro documentário da série Attenborough in Paradise. Outros autores citados no livro de Quammen por suas contribuições ao estudo da biogeografia são Robert MacArthur, Edward Wilson, Frank Preston, Daniel Simberloff e Jared Diamond.
David Quammen faz uma relação de criaturas nativas apenas em ilhas (páginas 149 e 150) e de espécies desaparecidas nos últimos séculos (páginas 414, 415 e 416). É interessante fazer buscas com o nome científico delas em sites como Encyclopedia of Life, IUCN ou Wikipedia. A propósito, a IUCN publica uma lista vermelha de espécies ameaçadas, sobre as quais há textos que merecem nossa atenção.
Uma das espécies extintas nos últimos séculos é o dodô (Raphus cucullatus), que viveu apenas em Maurício. Era uma ave grande, que não voava, e teve de lutar pela sobrevivência a partir de 1600, com a chegada de seres humanos, porcos e macacos. Foi extinta por volta de 1690. Quammen lamenta que o canto do dodô tenha desaparecido da memória humana. A importância da extinção do dodô se deve ao fato de que, pela primeira vez em toda a história da humanidade, o homem se deu conta de que ele havia provocado o desaparecimento de uma espécie.
Ao longo da história da vida, há um nível-padrão de extinção, que é o ritmo com que as espécies desaparecem, geralmente compensado pela taxa de especiação, de surgimento de novas espécies. Uma extinção em massa ocorre quando a taxa de extinção é o dobro do nível-padrão. De acordo com tal critério, hoje há uma extinção em massa. Paul Ehrlich estima que a taxa atual de extinção de aves e mamíferos é de cerca de cem vezes o nível-padrão. Edward Wilson estima que a perda atual de espécies florestais é no mínimo mil vezes acima do normal. Segundo David Quammen, "em algumas décadas, se as tendências atuais se mantiverem, estaremos perdendo muito de tudo. E, ao extinguirmos uma grande parcela da diversidade biológica do planeta, também perderemos uma grande parcela da beleza, complexidade, interesse intelectual, profundidade espiritual e saúde ecológica do mundo" (p. 661).
O astrônomo Carl Sagan, um entusiasta da exploração espacial, era contrário à presença humana em astros nos quais houvesse vida. Se a espécie humana tivesse um cuidado semelhante em relação às espécies da Terra, se não tivesse povoado quase todos os continentes e ilhas, haveria hoje maior diversidade biológica e o planeta seria um lugar melhor para viver. O ecólogo James Lovelock, no livro Gaia: cura para um planeta doente (São Paulo, Cultrix, 2006), sustenta que "nenhuma das aflições ambientais com que nos defrontamos atualmente seria um problema perceptível para uma população global de 50 milhões de habitantes" (p. 155). Mas, prossegue Lovelock, em nosso número atual e em nosso atual modo de vida, elas são insuportáveis. No livro A riqueza de todos, o economista Jeffrey Sachs diz que "a trajetória atual da atividade humana não é sustentável" (p. 77).
Os problemas ambientais, entre os quais o da extinção de espécies, ainda não são levados em conta por muitos políticos, empresários e intelectuais. São justamente as pessoas de maior poder e influência que deveriam atuar mais na preservação do meio ambiente. É preciso pensar nas futuras gerações, não apenas nas próximas eleições ou no lucro das empresas.
A ciência avançou consideravelmente no conhecimento do mundo natural. Hoje em dia temos informações valiosas sobre a história da evolução, sobre a diversidade da vida, mas a época em que tais conquistas foram alcançadas é a mesma na qual o impacto humano na natureza tem sido devastador. Como afirmou o escritor Isaac Asimov, "o aspecto mais triste da vida de hoje é que a ciência ganha em conhecimento mais rapidamente que a sociedade em sabedoria".

A biodiversidade ameaçada

Em 1980, quando editores da Harvard Magazine pediram a sete professores de Harvard que apontassem qual seria o problema mais grave que o mundo enfrentaria na década, o biólogo Edward Wilson citou a diminuição da biodiversidade: "A pior coisa que pode acontecer vai acontecer, e não é o esgotamento de energia, o colapso econômico, a guerra nuclear localizada, nem a conquista por um governo totalitário. Por mais terríveis que essas catástrofes fossem para nós, dentro de poucas gerações elas poderiam ser reparadas. O grande processo em curso na década de 1980 que há de tomar milhões de anos para corrigir é a perda da diversidade genética e de espécies pela destruição dos habitats naturais. Esta é a loucura que nossos descendentes provavelmente menos nos perdoarão" (Naturalista. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 349).
O termo biodiversidade começou a ser popularizado por iniciativa de Walter Rosen, diretor administrativo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que organizou o Fórum Nacional sobre Biodiversidade, em Washington, em 1986. Como explica Edward Wilson, no livro Naturalista (p. 354), a biodiversidade é definida como "a totalidade da variação hereditária em formas de vida, em todos os níveis de organização biológica, desde os genes e cromossomos dentro de cada espécie isolada até o próprio espectro de espécies e afinal, no nível mais alto, as comunidades que vivem em ecossistemas como as florestas e os lagos".
Diversos sites de notícias divulgaram os dados da International Union for Conservation of Nature segundo os quais 48% das espécies de primatas correm risco de extinção. O desaparecimento dos primatas é causado pela destruição de florestas e também pela caça. A situação é crítica, principalmente na Ásia.
Extinções causadas por seres humanos têm ocorrido desde o passado remoto. Sobre as extinções da megafauna da Austrália e da América do Norte, Steven Mithen afirma, no livro Depois do gelo (Rio de Janeiro, Imago, 2007), que não há indícios fortes nem para a hipótese das mudanças climáticas nem para a do impacto humano. No entanto, estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences aponta o homem como responsável por certas extinções. Seja qual for a causa das extinções que aconteceram há milhares de anos, são muitos os exemplos de perda da biodiversidade por ação humana em tempos mais recentes.
Magníficas espécies endêmicas (espécies nativas de determinado lugar e só encontradas ali) de certas ilhas foram extintas, como a ave-elefante de Madagascar e o moa da Nova Zelândia. Nesses locais, muitas outras espécies foram extintas. Na época atual, são muitas as espécies ameaçadas de extinção (algumas das quais talvez já estejam extintas): o Warbler de Bachman, o Warbler de Kirtland, o pica-pau de penacho vermelho, a ararinha-azul, entre outras. Edward Wilson afirma que a extinção está ocorrendo em ritmo acelerado, muito acima dos níveis anteriores ao advento do ser humano: ele estima que um quarto das espécies serão extintas nas próximas décadas se a crise da biodiversidade se mantiver ignorada e se os habitats naturais continuarem declinando.
Edward Wilson é autor de Diversidade da vida (São Paulo, Companhia das Letras, 1994), excelente livro de divulgação científica. Na primeira parte (Natureza violenta, vida resistente), o autor descreve perturbações naturais que causaram golpes na biodiversidade. No primeiro capítulo, Tempestade sobre a Amazônia, Wilson relata a sua experiência naquela região e explica como as tempestades provocam mudanças na estrutura da floresta. No segundo capítulo, ele trata da gigantesca erupção vulcânica que destruiu a ilha de Krakatau em 1883 e do retorno da fauna e da flora a Rakata, a pequena ilha que restou da antiga Krakatau. O terceiro capítulo é dedicado às grandes extinções, que ocorreram nesta ordem, conforme o período geológico: Ordoviciano, 440 milhões de anos atrás; Devoniano, 365 milhões; Permiano, 245 milhões; Triássico, 210 milhões; e Cretáceo, 66 milhões (em cada uma delas, a recuperação da biodiversidade exigiu dezenas de milhões de anos). O sexto grande espasmo de extinção, sobre o qual escreveu o paleoantropólogo Richard Leakey, pode não ter conserto (a sexta grande extinção foi assunto de entrevista do biólogo Paul Ehrlich publicada no site Science Friday).
Na segunda parte (O aumento da biodiversidade), Wilson explica a origem da diversidade biológica com o processo de evolução por seleção natural. Ele mostra como ocorre a especiação, o processo de formação de espécies. Todas as espécies são nossas parentes, pois partilhamos uma genealogia remota. É importante ter noções do conhecimento científico sobre a vida na Terra, até mesmo para entender o seu valor e conservá-la. Como disse o ambientalista senegalês Baba Dioum, citado por Wilson: "No final, só preservaremos o que amarmos, e só amaremos o que compreendermos, e só compreenderemos o que nos foi ensinado".
Os cientistas têm dificuldade para estimar até mesmo a ordem de magnitude da quantidade de organismos que existem na Terra. De acordo com Edward Wilson, o número de espécies conhecidas estaria em torno de 1,4 milhão, mas o número total de espécies pode chegar dez ou cem milhões. A biodiversidade é uma fonte potencial de imensas riquezas materiais (alimentos, medicamentos, bem-estar) inexploradas, embora esta não seja a única razão para preservá-la, já que a natureza em estado selvagem tem em si um valor próprio. A biodiversidade é nosso recurso mais valioso, mas um dos menos apreciados, afirma Edward Wilson. É necessário haver a mão forte de uma legislação protetora na preservação da riqueza biológica.
De especial interesse é a terceira parte do livro de Wilson, de título O impacto humano. Quando está em questão o dano causado à natureza pela atividade humana, lamentavelmente muita gente dá ouvidos a ideólogos, não a cientistas. É importante que cientistas como Wilson sejam mais conhecidos pelas pessoas, principalmente por aquelas que têm mais poder. O autor lembra que "a onda humana avançou sobre as últimas terras virgens como um manto supressor - paleoindígenas na América, polinésios no Pacífico, indonésios em Madagascar, marinheiros holandeses desembarcando em Maurício (para conhecer e extirpar o dodô) - e não foi restrita nem por um conhecimento da endemicidade nem por qualquer ética da conservação" (p. 272). Não devemos repetir os erros do passado.
Segundo Wilson, da pré-história aos dias de hoje, os quatro cavaleiros do apocalipse ambiental têm sido a caça desmesurada, a destruição de habitats, a introdução de animais exóticos e as doenças transmitidas por esses animais. Foi o sucesso demográfico humano que trouxe o mundo a esta crise ambiental. Os seres humanos são cem vezes mais numerosos do que qualquer outro animal terrestre de tamanho comparável. Usamos os recursos do planeta num grau que reduz drasticamente as condições da maioria das demais espécies. Daí a necessidade de uma política populacional.
Wilson propõe um plano básico para salvar e usar em perpetuidade o máximo possível da biodiversidade da Terra: recensear a fauna e a flora do mundo; criar riqueza biológica; promover o desenvolvimento sustentável; salvar o que resta; recuperar as terras selvagens. Os problemas ambientais são intrinsecamente éticos. Em relação a eles, o pensamento do filósofo Hans Jonas é esclarecedor. Este seu imperativo exige um comprometimento maior não só com as gerações atuais, mas também com as futuras: "Age de maneira tal que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de autêntica vida humana sobre a Terra; ou: age de maneira tal que os efeitos de tua ação não sejam destrutivos da possibilidade de autêntica vida humana futura na Terra. Ou, não ponhas em perigo as condições da continuidade indefinida da humanidade na Terra; ou: inclui na tua opção presente, como objeto também de teu querer, a futura integridade do homem".